quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A Ti Libânia


Quem me conhece, sabe que nasci no campo.

Na altura, as maternidades não eram fechadas. Os actuais socialistas ainda não tinham chegado ao governo.
Na altura, os nascimentos nas ambulâncias estavam longe de atingir os fantásticos níveis de hoje.
Na altura, no Portugal profundo ainda não havia maternidades nem ambulâncias. No governo estavam uma espécie de nacional-socialistas!
Por isso e por várias outras contingências nasci em casa, como se usava então e agora se faz por gosto e por moda.

Na falta de apoio médico, fui puxado por uma parteira. Bem! Não era bem uma parteira encartada, mas uma amável vizinha que tinha umas mãos mágicas, quer para fazer nascer meninos, quer para cavar batatas, mas principalmente para endireitar ossos.

Era a Dona Libânia, ou como se dizia lá na terra, a Ti Libânia.

A Ti Libânia tinha a arte de conhecer todos os ossos e tendões do corpo humano, de forma bem mais precisa que a maioria dos ortopedistas que por aí andam. Por isso, havia um permanente corrupio de gente na direcção da casa da Ti Libânia, vinda dos mais diversos e distantes locais do país. E ninguém saia dali sem o devido tratamento, fosse que hora fosse.

A Dona Libânia faleceu há já alguns anos. Deixou saudades aos muitos pacientes, aos poucos vizinhos e a este isolado nascido nas suas mãos … roxinho e quase morto, como rezam as histórias que se contam sobre o evento, resolvido uma vez mais com mestria pela saudosa parteira (com a mesma perícia e competência que mais tarde me colocou no local certo, um pulso deslocado com um malfadado arco feito com um pneu de tractor … que saudades!!!!!!!).

Recentemente fui à aldeia, à rua e à casa onde nasci. E foi aí que vi com agrado que as ruas da aldeia ganharam direito a onomástica com pequenas homenagens ao povo local. E, como era de justiça, lá estava na rua da casa da Ti Libânia, uma placa toponímica com um singelo tributo à saudosa Libânia da Conceição Miranda – Endireita.

O povo, simples, analfabeto em demasiados casos, soube escrever direito naquela rua torta, que a Ti Libânia não podia endireitar.

E eu senti-me feliz.

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