domingo, 5 de fevereiro de 2017

Bordejando


Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece. 



O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo. 



Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida? 



Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"


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Uns "Legos" e um poema do O'Neill ...


Está tudo conformado
ao triste proprietário.
Mecânicas ovelhas,
na erva de plástico,
têm pastor de pilhas
e cão pré-fabricado.
Flores marginam esse
às peças-soltas do prado.
Eléctricas abelhas,
obreiras sem contrato,
daquele herbário extraem
um mel supermercado.
A malhada, no estábulo,
quase manga de alpaca
(é A VACA, sabias?),
dá leite engarrafado.
No céu (para colorir)
a nuvem (pontual),
aguarda a vez de ser
chovida no nabal,
enquanto o Sol dardeja
na eira proverbial.
Já tudo afeiçoado
ao bom do proprietário
(ervas, bichos, moral),
ele conta com os seus
e espera sempre em Deus.






"- Deste corda ao pardal?" de Alexandre O'Neill



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