segunda-feira, 22 de junho de 2015

Praia


Minha praia ardorosa e solitária
aberta ao grande vento e ao largo mar
tu me viste querer-lhe com a doce
piedade das sombras do luar 


teus cabos se adiantam como braços
para abraçar as ninfas receosas
que fugindo oferecem sobre as vagas
suas nítidas formas amorosas 


braços paralisados por desejo
que o mundo e sua lei não permitiu
ou suspendeu amor que livre jogo
maior que posse em fugaz tempo viu 


e como vós me alongo e como tu
areia me ofereço a toda sorte
por sua liberdade ou por destino
que por só dela seja belo e forte. 


Agostinho da Silva, in 'Poemas'


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quarta-feira, 10 de junho de 2015

Mar Português

III.

PADRÃO


O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.


E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

Fernando Pessoa, Mensagem



domingo, 7 de junho de 2015

Verdes são os Campos



Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Luís Vaz de Camões