domingo, 25 de maio de 2008

MIA COUTO

Já bloguei sobre a língua portuguesa, sobre a linguagem e sobre o Mia Couto (e a sua “Terra Sonâmbula”).
Relembro-o aqui porque resolvi reproduzir aqui um excerto de um muito curioso texto da autoria de Mia Couto: “Perguntas à Língua Portuguesa”.

O estilo e a linguagem fazem lembrar a imaginação das crónicas do Luís Fernando Veríssimo, sobre o qual também já perdi por aqui algum tempo. Mas este texto é do Mia.

Pois cá vai:

Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?
Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo. Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas delas?
Ponho as minhas irreticências.
Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:
. Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?
. No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica aexpressão: passar a noite em branco?
. A diferença entre um ás no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?
. O mato desconhecido é que é o anonimato?
. O pequeno viaduto é um abreviaduto?
. Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente.
. Quem vive numa encruzilhada é um encruzilhéu?
. Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?
. Tristeza do boi vem de ele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação?
. O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ouriofim?
. Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"?
. Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?
. Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?
. Mulher desdentada pode usar fio dental?
. A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?
. As reservas de dinheiro são sempre finas. Será daí que vem o nome:"finanças"?
. Um tufão pequeno: um tufinho?
. O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?
. Em águas doces alguém se pode salpicar?
. Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério?
. Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?
. Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?
. Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca?

Brincadeiras, brincriações. E é coisa que não se termina (…)”


Se quiserem ler na íntegra, podem ir AQUI.

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No “ciberduvidas.sapo.pt” (de onde foi retirado o texto citado) consta sobre Mia Couto que é um escritor moçambicano, nascido na cidade da Beira, em 1957. Biólogo profissionalmente, é um dos mais estimulantes autores contemporâneos em língua portuguesa, até pela sua criatividade lexical e semântica, num estilo literário marcado pela originalidade criativa. Veja-se, por exemplo, o texto que escreveu propositadamente para o Ciberdúvidas, na estreia da rubrica Antologia, Perguntas à Língua Portuguesa. A par do papel histórico de João Guimarães Rosa, para o português do Brasil, e de Luandino Vieira, para o português de Angola, a obra de Mia Couto constitui-se como uma referência do português de Moçambique pós-independência. Traduzido em vários países, escreveu, entre outros, os seguintes romances e contos: "Cada Homem É Uma Raça" (1990), "Terra Sonâmbula" (1992), "Histórias Abensonhadas" (1994), "A Varanda do Frangipani" (1996), "Contos do Nascer da Terra" (1997), "Mar e Quer" (1998), "Vinte e Zinco" (1999) e "O Último Voo do Flamingo" (2000).

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