segunda-feira, 21 de março de 2022

... porque ainda há dias de poesia ...


Magoa-me a saudade

do sobressalto dos corpos

ferindo-se de ternura

dói-me a distante lembrança

do teu vestido

caindo aos nossos pés

 

Magoa-me a saudade

do tempo em que te habitava

como o sal ocupa o mar

como a luz recolhendo-se

nas pupilas desatentas

 

Seja eu de novo tua sombra, teu desejo

tua noite sem remédio

tua virtude, tua carência

eu

que longe de ti sou fraco

eu

que já fui água, seiva vegetal

sou agora gota trémula, raiz exposta

 

Traz

de novo, meu amor,

a transparência da água

dá ocupação à minha ternura vadia

mergulha os teus dedos

no feitiço do meu peito

e espanta na gruta funda de mim

os animais que atormentam o meu sono

  

… poema “saudade”, de Mia Couto…




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