sábado, 5 de abril de 2008

José Luís Peixoto


O moço tocou guitarra eléctrica numa banda hardcore punk. Coisa boa! Li uma crónica/reportagem em que ele dizia: “às vezes tenho a sensação de que ninguém leria os meus livros se soubessem que estava a ouvir música tão pesada quando os escrevi”. Pois!

Acabei há dias de ler o “Cemitério de pianos”. O título foi bem catado e a história, que tem na base a maratona de Estocolmo, onde Francisco Lázaro faleceu em 1912, também promete. Prometia! O autor descarta-se do romance histórico e converte a coisa numa espécie de prosa poética mastigada.

O livro lê-se. E a prova disso é que eu cheguei ao fim, e não é raro eu deixar livros a meio. Mas que fiquei com uma sensação estranha ao ler e ao acabar, lá isso fiquei. O homem inova na linguagem, na sintaxe e na pontuação: muito: muito mesmo: do princípio ao fim: pois: garanto: leiam,

Mas o livro tem várias outras coisas estranhas. Coisas que devem ter tido origem e causa no ritmo e no som pesado que estava a entrar pelos ouvidos do Zé Luís.

Vejam por exemplo esta (pág. 192):
Sobe a cama, um monte de páginas rasgadas e de capas rasgadas, títulos: sonhos de, paixão casamento na, primavera as chamas do coração mais, forte do que o preconceito vitória, do destino apaixonado pelo homem, certo rapariga e mulher amar pela primeira, vez o desconhe, cido irresistível flo, res demasia, do tarde pa, ra além do, desejo so, rriso c, rue, l am, a nhec, er de e, mo, ç, õe, s”.

Uma pessoa até desconfia que foi erro da tipografia. Mas não, é arte literária!

É engraçado que na contra-capa do livro consta um comentário de Manuel Vázquez Montalbán que, referindo-se a José Luís Peixoto diz: “Um valor seguro da literatura portuguesa, com grande sentido de linguagem poética e grande domínio da língua portuguesa”. Pois é. Domínio total. E como o Vázquez Montalbán deve saber de língua portuguesa!!!! … des, conhe, cido irr, es, istível …

É a arte!

No artigo “o que cai dos dias” no Jornal do Barlavento de 13 de Março de 2008, referindo-se à recentemente falecida Maria Gabriela Llansol, João Ventura escreveu: «moradas quase impenetráveis de uma escrita que oscila entre o exprimível e o inexprimível, criando um efeito de estranheza ou mesmo de ilegibilidade a quem ousa atravessar o umbral de uma textualidade que luta contra a narratividade convencional, integrando-a através de uma “escrita laboratório” numa nova ordem discursiva».

Um dia destes alguém vai dizer isto do Peixoto …

A Xana é que tem razão:
se tivesse que definir o José Luís Peixoto numa palavra”,
“diria que é uma espécie de … Appeiron
”.

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