sexta-feira, 25 de abril de 2008

Combóios



Gosto de comboios. Pode parecer um lugar comum porque todos gostamos de comboios pois a figura faz parte do imaginário de muitos. Todos detestamos a CP, por causa dos teimosos atrasos, todos apreciamos um comboio antigo, todos gostamos de um passeio de comboio e todos ficamos meses, anos sem andar de comboio. O que esperamos?

Para além de gostar de comboios, gosto de estações de comboios. Hoje já não têm aquele aroma a carvão mas continua no ar o cheiro ao alcatrão que protege as solipas. Mas a atmosfera que envolve uma estação de comboios não se descreve. As pequenas (que não sejam simples apeadeiros) costumavam ser espartanas, mas muitas delas mantinham admiráveis painéis de azulejos com motivos locais, ou com a indicação do nome da estação. O tempo e a falta de cuidado levaram à destruição e à substituição de muitas dessa estações. Uma pena.

Quanto às grandes estações, foram-se adaptando aos tempos, mas continuam com aquela atmosfera típica que as distingue de quaisquer outros lugares. Não me refiro às enormes estações mundiais que nunca tive o prazer de visitar (sou moço que não tive oportunidade de experimentar essa coisa fantástica do inter-rail…), mas cujo ambiente nos é familiar por serem tema de filmes e livros que nos ficam na memória. Estações que vivem dia e noite, grandes, enormes, febris. Gare du Nord, Austerlitz, Termini, Atocha e tantas outras estações centrais como a nossa Santa Apolónia, também ela com uma vida digna de um qualquer romance.

Eu ainda sou do tempo do comboio a vapor, das locomotivas a carvão, da sua substituição por locomotoras dependentes do petróleo, e da sua evolução para a electrificação. Os comboios (qualquer dia ainda mais esquecidos com essa coisa dos TGVs) evoluíram, mas aquele cheiro mineral das estações permanece lá, como se por ali continuasse a passar o antigo comboio a vapor.

Tudo isto porque me recordei do velho comboio que nos meus tempos de liceu me levava à escola na velha Linha do Vale do Vouga. A minha infância não dava um romance, mas aquela linha, os comboios, o passe e a falta dele, o “pica-bilhetes” e o seu alicate que tantas vezes me martelou a cabeça, o relógio da estação, os maquinistas, os agulheiros, o chefe da estação, aquele apito e o pouca-terra, pouca-terra, pouca-terra arrastado, merecem que os recorde. Na falta de outro local, lembro-os aqui.

Há uns tempos voltei àquele local distante e lá fui visitar a estação ferroviária que durante dois anos me acolheu. Foi um recuar no tempo que me trouxe aquela melancolia típica dos idosos(!), difícil, muito difícil de descrever. Os carris, ainda brilhantes, continuam lá, o resto, dá pena. Eu estou velho, mas as estações dos nossos comboios ainda estão mais. E se não é possível restaurar o corpo humano, não há razão válida para não recuperar o património das nossas estações de comboios, mesmo as pequenas, como aquela que me acolheu e que ali está em perfeita decadência. Porquê?




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