terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Aracnofilia

(uma pessoa cá de casa, que tinha lido um excerto deste conto, pediu para lhe comprarmos o livro... e, por estes lados, nunca dizemos que não a um pedido destes)




"A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs."



"E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem fim, nem finalidade. Todo o bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatais funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções."


"Para a mãe aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie.
- Não faço teias por instinto.
- Então, faz porquê?
- Faço por arte."

Mia Couto, "A infinita fiadeira" in O fio das missangas

1 comentário:

Ideiafix disse...

E a mãe natureza colabora com a aranha e transforma os fios da sua arte em autênticos colares de pérolas. Muito bom o texto. Muito melhor a tua arte fotográfica!