Eu conheço os homens pelos olhos,
pelo modo como trazem dentro
o seu pedaço de humanidade.
Sei quando um homem ergue a sua
mão direita para a árvore mais alta,
e quando o seu coração anseia
parecer-se com o mundo.
Eu não meço os homens
segundo as suas crenças: o importante
é o lugar onde cada um guarda a sua miséria,
e quando uma certa pobreza pousa no andar,
como uma luz que nada sabe,
eu sei que importante não é o que se tem,
mas o tamanho da recusa.
Eu não aprecio os homens
pelo que dizem ou fazem,
mas pelo abismo que deixam em nós
quando passam. Alguns homens são como janelas
por onde olhamos sem jamais conseguirmos encher
o nosso olhar. Outros são leves e transparentes
e percorrem os jardins da nossa vida
até que um dia não regressam.
Todos temos na nossa vida alguém que um dia
não voltou. Alguém que antes de partir
nos disse até logo levando a mão direita ao coração
e depois cruzou a porta para uma dor sem fundo.
Tão pouco admiro nos homens o domínio da certeza.
Nos animais e nas coisas
admiro antes a evidência do silêncio
e as feridas das ausências.
Sei que tudo um dia se quebra,
porque sei que tudo o que existe é frágil
e caminha para dentro. Às vezes olho o que há de mim
nos outros e compreendo que todos somos
dias de mar junto à praia, olhares de passagem pela água.
Por isso,
mais do que a força ou a coragem
nos homens admiro a nobreza na queda
e a humildade na subida.
Olhando as estrelas, que jamais alcançam,
eu conheço o olhar desses homens
que têm passado por mim. Os seus gestos amigáveis,
as palavras generosas e ternas,
as mãos que nunca sabem fechar-se
senão para abrir-se mais e sempre mais.
Eles respiram e amam com franqueza,
às vezes parecem pedras, mas são como as flores,
às vezes não os vemos,
mas é porque estão mesmo a nosso lado.
Na minha vida conheci alguns desses homens
que frequentam os lugares onde as rosas crescem.
Alguns caminharam a meu lado. Outros dão-me a sua
mão amiga sempre que preciso
e nunca por nunca se esquecem de mim.
São os meus amigos: esses amigos.
Observo-os
e um dia espero parecer-me com eles.
(Carlos Lopes Pires)
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