terça-feira, 29 de setembro de 2015

A propósito da Lua...

(duas Sophias e um Fernando) 



COMO UMA FLOR VERMELHA

À sua passagem a noite é vermelha,
E a vida que temos parece
Exausta, inútil, alheia.

Ninguém sabe onde vai nem donde vem,
Mas o eco dos seus passos
Enche o ar de caminhos e de espaços
E acorda as ruas mortas.

Então o mistério das coisas estremece
E o desconhecido cresce
Como uma flor vermelha.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Poesia, II


LUAR

O luar enche a terra de miragens
E as coisas têm hoje uma alma virgem,
O vento acordou entre folhagens
Uma vida secreta e fugitiva,
Feita de sombra e luz, terror e calma,
Que é o perfeito acorde da minha alma.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Poesia, I


Pálida, a Lua permanece
No céu que o Sol vai invadir.
Ah, nada interessante esquece.
Saber, pensar - tudo é existir.

Mas pudesse o meu coração
Saber à tona do que eu sou
Que existe sempre a sensação
Ainda quando ela acabou...

Fernando Pessoa, 04.03.1934, Poesias Inéditas (1930-1935)

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